Seguidores

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A invenção da verdade denunciada por Nietzsche

Verdade! A musa a ser conquistada pela Ciência, pela Filosofia e, porque não por nós, pessoas comuns que no dia-a-dia a tomamos como parâmetro para as nossas decisões, para rumar o nosso pensamento.
Mas, a verdade é real? É engendrada? Como nasce ela, afinal?
Questões como estas impulsionaram o jovem Nietzsche na sua pesquisa que culminou no breve, porém rico ensaio intitulado “Sobre a mentira e a verdade no sentido extra-moral”.
Antes, contudo, de analisarmos este problema cabe uma breve contextualização da sua filosofia: Nietzsche é um pensador de combates. As suas obras são grandes máquinas de guerra, prontas a destruírem o edifício lógico-moral sustentado pelo platonismo e a sua vertente ordinária, o cristianismo. A sua obra é escrita com “sangue e máximas”, marcadamente assistemática. A primeira grande “contradoutrina” de Nietzsche surge na pretensão de se opor à “metafísica racional” e instaurar a “metafísica do artista” que concebe a Arte como a actividade libertadora do homem; apenas a arte possibilita uma experiência da vida em sua plenitude. A Arte é o outro lado, um solo “extra”, “para além” da tradição filosófica e as suas facetas lógicas e morais. Afirma Nietzsche: “A arte é a única força superior contraposta a toda vontade de negação da vida”. Com estas curtas pinceladas, podemos partir para o problema da verdade. Nietzsche começa afirmando que o intelecto humano é totalmente sem finalidade e gratuito perante o todo, frente à natureza. “Se pudéssemos entender-nos com a mosca, perceberíamos que ela sente em si o centro voante deste mundo”. Acreditamos que, pelo nosso intelecto, somos seres superiores. Mas ele é apenas um meio de conservação do homem, ser mais fraco, menos robusto, ao qual está vedada a luta pela existência com chifres ou presas. O indivíduo, para se conservar, para existir socialmente, precisa usar o intelecto. Precisa de um acordo de paz para que a “guerra de todos contra todos” desapareça do seu mundo. Esse pacto é o primeiro passo para o impulso à verdade, que nada mais é do que um tratado de paz. Concebendo a verdade como possibilitadora da vida social, Nietzsche chega a um primeiro contraste entre verdade e mentira: o mentiroso usa as designações válidas, as palavras para fazer aparecer o não-efectivo como efectivo; ele diz, por exemplo: ‘sou rico’, quando para o seu estado seria precisamente ‘pobre’ a designação correcta.
O que caracteriza ainda mais a verdade como uma criação puramente humana são as consequências advindas tanto da verdade como da mentira. O que o homem odeia é ser prejudicado tanto por uma, quanto por outra. Se o resultado da mentira é benéfico, então a verdade, em oposição, não é desejada e, até mesmo, repelida.
Central no texto “sobre a mentira e a verdade no sentido extra-moral” é a contraposição entre Metáfora e Conceito. Conceito, segundo a tradição, é o que define a substância. É ele que possibilita a descrição, a classificação e a previsão dos objectos cognoscíveis. O conceito, de um modo geral, é a essência necessária, pela qual não pode ser de modo diferente. Para Nietzsche, a metáfora é a imagem do próprio mundo. Conceituar é congelar; é reduzir as muitas possibilidades a um único significado. Por um acto arbitrário de persuasão, ou seja, pela linguagem, introduz-se uma das muitas possibilidades da “metaforicidade” do mundo. Por trás disso, está a vontade de conservação, ordenação e pacificação, que não são naturais do mundo.
“Todo conceito nasce da igualação do não igual. Uma folha nunca é igual a outra folha e, no entanto, o conceito de folha abandona arbitrariamente essas diferenças, essas individualidades e desperta a representação da folha, uma espécie de folha primordial, segundo a qual todas as folhas são tecidas.
Dividimos as coisas por géneros, designamos a árvore como feminina e o vegetal como masculino. Que transposições arbitrárias! Que preferências unilaterais ora por esta, ora por aquela propriedade do objecto.”
A verdade nada mais é do que um batalhão de metáforas, metonímias, antropomorfismos que, após um longo uso, parecem sólidas, canónicas, obrigatórias. As verdades são ilusões, são conceitos que se esqueceram da sua origem metafórica.
O homem, falando a verdade, mente da maneira designada, inconscientemente e segundo hábitos seculares. Justamente por esse esquecimento, chega ao sentimento de verdade. Quem está contaminado pela frieza dos conceitos, dificilmente acreditará que até o conceito aparentemente mais verdadeiro, como ósseo, por exemplo, não passa de um resíduo metafórico.
Eis a imagem: a verdade é como alguém que encontra um tesouro atrás de um arbusto. Tesouro este que ele mesmo escondeu. Defino o camelo como animal mamífero e, depois de inspeccionar um camelo declaro: Vejam, um animal mamífero! Informação antropomórfica sem um único resquício de verdade!
Criticando a verdade, Nietzsche mostra-nos a decadência de uma sociedade cientificista. Esta confiança ignorante nos preceitos e valores científicos constitui-se na negação do que o homem possui de mais humano. E, por negar a sua humanidade, Nietzsche diagnostica o homem moderno como doente, propondo a arte como um medicamento . Ccapaz de levar a cura.
Matheus Arcaro
Gravura: “Relativity” – M. C. Escher (1953)

Sem comentários: