1. Globalização e Pluralismo Religioso (1º ponto de um longo e sério trabalho)
O tempo actual é de globalização intensificadora, de afirmação de uma consciência mais planetária, de aproximação de culturas e religiões. Esta globalização não constitui unicamente um fenómeno económico, mas traduz igualmente uma transformação do contexto comunitário e pessoal da experiência social. As actividades quotidianas passam a ser influenciadas por eventos que ocorrem nos lugares mais distantes. Não há como negar o impacto exercido por tal fenômeno nas identidades culturais e religiosas. As identidades são “discursivamente forçadas a uma exposição”, provocadas à interrogação e ao discurso. A globalização aproxima identidades, que são distintas: as diferenças tornam-se mais localizadas e visíveis, diretamente encontradas. Isto não significa, necessariamente, a instauração de uma dinâmica dialogal. Na realidade, a aproximação não proposital de identidades distintas leva muitas vezes à suspeita, ao temor e ao conflito. A presença “ameaçadora” do outro provoca, em casos concretos, o temor do desenraizamento e da perda da identidade. O actual crescimento dos fundamentalismos ou neofundamentalismos é uma expressão viva deste temor.
A afirmação da modernidade veio acompanhada de um aumento quantitativo e qualitativo da pluralização, entendida também como pluralização física e demográfica. Verifica-se paupavelmente um crescimento populacional, uma maior aproximação involuntária das pessoas, uma exposição pelos meios de comunicação de massa de diferentes e contraditórios modos de pensar e viver etc.
O sociólogo Peter Berger tem abordado extensivamente esta questão e levantado indagações bem pertinentes para a reflexão. Na sua visão,
“o pluralismo cria uma condição de incerteza permanente com respeito ao que se deveria crer e ao modo como se deveria viver; mas a mente humana abomina a incerteza, sobretudo no que diz respeito ao que verdadeiramente conta na vida. Quando o relativismo alcança uma certa intensidade, o absolutismo volta a exercer um grande fascínio”.
O temor provocado pelo pluralismo, sobretudo as suas possíveis consequências no campo da afirmação do sentido, tem suscitado a criação diversificada de mecanismos de defesa institucional voltados a impor limites à interacção e comunicação das identidades distintas. Para driblar o risco da desorientação e dispersão identitária, erguem-se, por todos os cantos, “muros” de defesa voltados para a afirmação rigorosa das convicções tradicionais e a manutenção da auto-evidência da sua plausibilidade. Entende-se claramente a razão que move hoje em dia inúmeros grupos que buscam normas de navegação, marcos referenciais mais seguros para a sua vida, quando não rígidos e cristalizados. Verifica-se igualmente tal tendência em muitas instituições religiosas ou núcleos com elas relacionados. Na base desta busca de parâmetros mais seguros ou firmes encontra-se o receio da relativização, que pode acompanhar a dinâmica de afirmação do pluralismo. Ao desacreditar os conhecimentos auto-evidentes e as interpretações tidas como únicas em validade, o pluralismo moderno vem responsabilizado pelas crises subjectivas e intersubjectivas. Ergue-se uma crítica contundente ao pluralismo moderno, responsabilizado pela desestabilização das “auto-evidências das ordens de sentido e de valor que orientam as ações e sustentam a identidade”.
Os que defendem o diálogo inter-religioso insistem na ideia de que o pluralismo moderno, e em particular o pluralismo religioso, constitui hoje um desafio insuperável, trazendo consigo uma exigência de transformação dos parâmetros de orientação da vida e de percepção da identidade. O pluralismo vem acolhido como um valor inevitável e não fonte de insegurança. O diálogo inter-religioso busca ser uma alternativa possível ao risco representado pela realidade tensa da imediatez das distinções religiosas, que podem provocar a afirmação de “identidades mortíferas”. Trata-se de uma forma emergente de regulação ou “gestão convivial das identidades colectivas”. O diálogo inter-religioso aposta na possibilidade de uma afirmação plural das identidades, abertas e disponibilizadas à aprendizagem da alteridade.
O pluralismo religioso traduz a presença real e desafiadora de identidades religiosas complexas e distintas, pontuadas pela consciência viva de sua singularidade e pela força das suas convicções. Marca uma perspectiva de mudança a respeito a um momento anterior caracterizado por uma maior homogeneidade de pertença. Como fenómeno tipicamente moderno, as religiões passam a reivindicar maior autonomia e legitimidade específicas. Com o pluralismo religioso afirma-se igualmente a reivindicação crescente em favor da liberdade religiosa e a oposição a quaisquer tentativas de proselitismo ou coerção no campo religioso. A questão ganha ainda maior complexidade no tempo actual, com a discussão dos direitos da laicidade. Fala-se da laicidade como “princípio fundamental da liberdade espiritual e da igualdade”. Reivindica-se o direito inalienável em favor de “opções espirituais” que envolvem caminhos religiosos ou não.
Faustino Teixeira - Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora
Trabalho (que vale a pena ler todo) completo aqui
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