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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Cooperação macroeconómica mundial - Jeffrey D. Sachs

O mundo ainda não alcançou a coordenação de política macroeconómica que será necessária para restaurar o crescimento económico após o Grande Crash de 2008. Em grande parte do mundo, os consumidores estão agora a reduzir os seus gastos em resposta a uma queda na sua riqueza e ao medo do desemprego. A avassaladora força por trás do actual colapso do mercado de trabalho, da produção e do fluxo comercial é ainda mais importante do que o pânico financeiro que veio na esteira do colapso do Lehman Brothers em Setembro de 2008.
Não há, evidentemente, retorno possível à situação que precedeu o Grande Crash. A bolha financeira mundial não pode, e não deveria, ser recriada. Mas se o mundo cooperar efectivamente, o declínio na procura dos consumidores poderá ser contrabalançado por um valioso incremento nos gastos com investimentos para enfrentar as mais críticas necessidades no planeta: energia sustentável, água potável e saneamento básico, redução da poluição, melhorias na saúde pública e maior produção de alimentos para os pobres.
Foto daqui
Os EUA, a Europa e a Ásia registaram, todos, um colapso da riqueza devido à queda nas bolsas de valores e nos preços das moradias. Não há ainda uma medida confiável da redução da riqueza e da sua distribuição em todo o mundo, mas o encolhimento foi, em relação ao seu pico, provavelmente em torno de US$ 15 trilhões nos EUA e talvez US$ 10 trilhões, tanto na Europa, como na Ásia. Um encolhimento combinado em torno de US$ 25 trilhões na riqueza equivaleria a aproximadamente 60% da renda mundial num ano. O declínio na riqueza americana como percentagem da economia dos EUA é ainda maior, em cerca de 100% da renda anual, e possivelmente 70% da renda anual na Europa e na Ásia.
A premissa usual é de que o consumo domiciliar cai aproximadamente US$ 0,05 para cada declínio de US$ 1 na riqueza domiciliar. Isso implicaria um choque negativo directo nos gastos domiciliares em torno de 5% da renda nacional nos EUA, e de aproximadamente 3,5% na Europa e na Ásia.
A dimensão desse desaquecimento económico é tão grande que o desemprego crescerá substancialmente em todas as principais regiões da economia mundial, possivelmente atingindo 9% a 10% nos EUA. Os domicílios gradualmente pouparão o suficiente para recompor a sua riqueza, e o consumo das famílias será também pouco a pouco restaurado. Entretanto, isso acontecerá lentamente demais para impedir o rápido aumento do desemprego e a enorme queda na produção em relação ao seu potencial.
O mundo, portanto, precisa estimular outros tipos de gastos. Uma maneira vigorosa de estimular a economia mundial e contribuir para atender às necessidades futuras é incrementar os gastos em infra-estruturas, principalmente voltadas para transportes (rodovias, portos, ferrovias e transporte de massas), energia sustentável (eólica, solar, geotérmica, captura e sequestro de carbono e redes de transmissão de electricidade à distância), controlo da poluição, e água e saneamento básico.
Existem fortes justificativas para a cooperação mundial, visando ampliar esses investimentos públicos nas economias em desenvolvimento, e especialmente nas regiões mais pobres do mundo. Essas regiões, como a África subsaariana e a Ásia Central, estão a sofrer duramente com a crise mundial, devido à queda nos rendimentos das exportações, nas remessas de dinheiro para familiares em países de origem e nos afluxos de capital.
As regiões pobres também estão a sofrer com as mudanças climáticas - como secas mais frequentes -, causadas por emissões de gases que provocam o efeito estufa pelos países ricos. Ao mesmo tempo, os países pobres têm enormes necessidades de infra-estruturas, especialmente rodovias, ferrovias, energia renovável, água e saneamento básico, e de melhorias na actual disponibilização de serviços vitais para salvar vidas, entre eles sistemas de saúde e apoio à produção de alimentos.
O G-20, que compreende as maiores economias do mundo, é um ambiente natural para uma coordenação mundial de políticas. O próximo encontro do G-20 em Londres no início de Abril é uma oportunidade crucial para acção oportuna. As principais economias - especialmente dos EUA, da União Europeia (UE) e japonesa - deveriam estabelecer novos programas para financiar investimentos em infra-estrutura em países de baixa renda. Os novos empréstimos deveriam ser de pelo menos US$ 100 bilhões por ano direccionados para os países em desenvolvimento.
Os novos financiamentos deveriam incluir empréstimos directos das agências em países ricos que disponibilizam créditos a exportações para permitir que países pobres tomem empréstimos de longo prazo (por exemplo, 40 anos) para construir estradas, redes de electricidade, geração de energia renovável, portos, redes de fibras ópticas, e sistemas de água e saneamento básico. O G-20 deveria também ampliar a capacidade de financiamento do Banco Mundial, do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e de outras instituições financeiras internacionais.
O Japão, com um superávit de poupança, moeda forte, enormes reservas em moeda estrangeira e fábricas sem pedidos do mercado doméstico, deveria assumir a liderança na disponibilização desses recursos focados em infra-estruturas. Além disso, o Japão pode aquecer substancialmente a sua própria economia e as dos países mais pobres direccionando a sua própria produção industrial para as necessidades de infra-estruturas no mundo em desenvolvimento.
A cooperação pode transformar o abrupto e assustador declínio nos gastos de consumo mundial numa oportunidade, também mundial, para investir mais no bem-estar futuro do mundo. Ao redireccionar recursos do consumo de países ricos, canalizando-os para as necessidades de investimento dos países em desenvolvimento, o mundo pode alcançar uma "tripla" vitória. Investimentos mais elevados e gastos sociais em países pobres estimularão toda a economia mundial, estimularão o desenvolvimento económico e promoverão sustentabilidade ambiental através de investimentos em energia renovável, uso eficiente da água e de agricultura sustentável.
Jeffrey D. Sachs - é professor de Economia e director do Instituto Terra, da Universidade da Colômbia. Ele é também conselheiro especial ao Secretário-geral da ONU para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org

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