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sexta-feira, 25 de junho de 2010

A lógica da cegueira

O livro “Ensaio sobre a cegueira” do escritor português José Saramago e recentemente levado aos ecrãs pelo director brasileiro, Fernando Meirelles, é uma metáfora extremamente lúcida da incapacidade humana em construir laços de solidariedade, mesmo diante de uma tragédia comum. Saramago relata com bastante sensibilidade como as pulsões mais instintivas e/ou bárbaras corroem uma sociedade pautada pelo desprezo à vida e ao seu semelhante. Uma explosão anómica sem precedentes, que não escolhe grupo social, género ou etnia.
A lógica da “cegueira humana” configura-se, nesta direcção, na incompreensão colectiva de como se engendram todas as formas de exploração de homens, mulheres e crianças; o porquê de existir tanta desigualdade social e concentração de rendimentos; e a naturalização da violência nas suas dimensões física e simbólica. É esta mesma cegueira que inviabiliza lutas sociais mais consistentes; que lança para a margem aqueles/as que nunca terão acesso ao processo de escolarização e, que por esta mesma razão, correm o risco de serem “inempregáveis” e mais propensos à indigência.
Contraditoriamente, combatemos exaustivamente os nossos pares. Plantamos e semeamos a discórdia e vangloriamo-nos de representarmos lideranças desagregadoras. Sabotamos projectos alheios e aliamo-nos a determinadas concepções políticas que favorecem a acumulação do capital privado à custa da produção colectiva pública. Os nossos interesses definem-se tão-somente naquilo que é mais imediato e, portanto, totalmente descolado dos nexos históricos que medeiam as nossas relações laborais e afectivas.
Uma sociedade sitiada pela cegueira metafórica é promotora de todos os desmandos nas áreas política, económica e cultural; não é por acaso que o mundo está em crise, pela arrogância dos “mercadores de almas”, que decidem quem poderá comer hoje e amanhã. Os danos são irreparáveis e inconsequentes. E enquanto isso os/as cegos/as marcham incólumes, embrutecidos, esperando, quem sabe, uma redenção metafísica atemporal, a-histórica, desprovida de toda e qualquer materialidade.  
Jéferson Dantas, Professor universitário e Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Texto daqui
Pintura de El Greco, “Jesus cura um cego” (1570-75)

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