Existe um movimento que vem ganhando força no ambiente corporativo, ou ainda, nas empresas que compõe o segundo sector. Antes de entrar no prato principal, vamos à cozinha. Em termos práticos, existe uma classificação que aponta o primeiro sector como sendo o governo (com todas as organizações públicas sem finalidade lucrativa), o segundo como aquele formado pelas empresas privadas com finalidade lucrativa e o terceiro como o movimento organizado da sociedade civil, notadamente por meio das organizações sociais privadas sem fins lucrativos, popularmente conhecidas como ONGs.
Observando a dinâmica destes atores sociais, é possível observar que nas últimas duas décadas algumas práticas começaram a se tornar mais presentes, principiando raízes que começam a se aprofundar no terreno social brasileiro.
As ONGs conquistaram mais espaço, ganharam visibilidade junto à media, tornando muitas delas conhecidas e seus líderes quase celebridades. Junto à exposição veio o perigoso título de “exemplo” a ser seguido pelo governo e um local de manifestação dos cidadãos, por meio do engajamento em causas das mais variadas naturezas. O título pode ser considerado perigoso porque existem, como nos outros dois sectores, inúmeros casos de “pilantropia”, o que torna necessária uma observação além da sedutora postura de “bom-mocismo”.
A relação das ONGs com o governo também se acentuou, com muitas parcerias nas áreas de assistência social, educação e saúde. Em alguns momentos, ontem e hoje, inclusive, existem muitas opiniões versadas sobre estas parcerias, as quais condenam a possível substituição de papéis, algo que amiúde realmente acontece. Deve ficar claro, urgentemente, que o papel de uma ONG não é substituir as obrigações legais do Estado, seja na esfera do poder local, ou central. Trata-se de uma possível sinergia, principalmente tendo a ONG – para recordar, a manifestação da sociedade civil organizada – o papel de fiscalizar e propor alternativas aos governos. Substituir pode ser a saída no curtíssimo prazo, atendendo demandas latentes. Persistir na substituição pura – o que é diferente de parcerias lúcidas – não resultará no desejado respeito às previsões constitucionais.
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Por conta deste movimento todo, as empresas começaram a ser “convidadas” a participar do baile. Externamente, a sociedade – leia-se clientes – começou a observar o comportamento socialmente responsável (ou irresponsável) das empresas. Internamente, os colaboradores também iniciaram um tímido movimento de sugestão, deixando claro que a participação em programas sociais era algo relevante e desejável, inclusive como factor de satisfação em relação ao clima organizacional. Não podemos descartar, obviamente, aquelas iniciativas empresariais que começaram a surgir espontaneamente em função dos valores efectivamente praticados por aquela empresa. Há empreendedores também neste terreno.
É impossível deixar de reconhecer que o movimento de responsabilidade social empresarial vem ganhando força nas últimas duas décadas, com especial aceleração nos últimos cinco anos. São diversos os aspectos, porém, a serem considerados antes de imprimir a chancela de “socialmente responsável” a uma organização: sustentabilidade no processo de produção, controlo de poluentes, governança corporativa, relações com fornecedores, balanço social, inclusão social e digital, relações com a comunidade, envolvimento dos colaboradores entre outros.
Neste cardápio de conceitos e possibilidades, o foco aqui será o envolvimento dos colaboradores por meio de campanhas pontuais e regulares, o que vem sendo intitulado de “voluntariado corporativo ou empresarial”. As áreas de recursos humanos, marketing ou responsabilidade social – quando a empresa já a possui – normalmente são as principais promotoras destas iniciativas. A partir da determinação da direcção ou de uma consulta aos funcionários, são criadas estratégias. Obviamente existe a necessidade de contacto com a comunidade, pelo qual são determinadas algumas acções a serem feitas pelos grupos de voluntários. Importante registar que a grande maioria das acções com estas características ainda se baseia na doação de produtos materiais, via de regra alimentos, agasalhos, material escolar ou itens para reforma. Longe de ficar preso a uma crítica simplória do que se convencionou chamar de assistencialismo, o essencial é compreender a vocação do grupo de colaboradores quando se trata de acções sociais.
Neste momento é possível comentar a relação do Canto Cidadão com algumas empresas. Desde 2004, acções vêm sendo desenvolvidas em ambiente corporativo, tanto no que tange à sensibilização, capacitação e orientação prática de iniciativas criadoras de intersecção entre a empresa e o ambiente comunitário. Este relacionamento normalmente começa com uma pesquisa que o Canto Cidadão conduz junto aos colaboradores, a qual determina a vocação da empresa neste sentido, ou seja, a pesquisa é capaz de apresentar aquilo que a equipe interna gostaria de fazer quando se trata de voluntariado. A partir de então, este material é trabalhado e uma ponte é estabelecida com as directrizes da empresa, chegando a um plano de acção, execução de tarefas e posterior avaliação dos resultados e aprimoramento para as próximas incursões.
O Canto Cidadão preferencialmente mantém o relacionamento com a empresa e com o grupo, que acaba por se inserir o máximo possível nas actividades que também são direccionadas aos voluntários directos da organização. Importante ressaltar que após o treino inicial, o grupo continua a ser submetido a uma capacitação continuada, aprimorando as suas “ferramentas” para a realização excelente das tarefas nos programas sociais.
Esta experiência aponta para uma saudável possibilidade de parceria entre ONGs e empresas, desde que haja um encontro entre a solidariedade, consciência e competência. Afinal, tanto a organização como a empresa, mas especialmente o público beneficiário, exigem este “saber fazer bem o bem”, para que o programa se torne sustentável e digno de nota. Os benefícios deste “saber fazer bem” são irrefutáveis: aos voluntários, a possibilidade de se desenvolverem como pessoas (pela prática de habilidades e competências práticas e emocionais) enquanto contribuem para o equilíbrio social; às empresas, a possibilidade de efectivamente exercitarem a responsabilidade social, menos pelo facto de doar produtos e serviços e mais pelo papel de espaço de ampliação da consciência de cidadania; por último, mas não menos importante, à colectividade, representada pelas organizações sociais beneficiadas ou directamente um espaço público, o apoio dos seus “clientes”, ou seja, os cidadãos, uma vez que não há forma de construir mais equilíbrio social sem os olhos atentos e os braços esforçados dos habitantes de um espaço comum.
Para não soar utópico e “poliânico”, fica também o registo do enorme desafio que ainda se apresenta junto às acções de voluntariado empresarial. Desde a fragilidade do interesse de muitas empresas – que inicialmente estão apenas seduzidas pela possibilidade de visibilidade junto aos formadores de opinião, até à falta de compromisso regular – além do “oba-oba” inicial – dos voluntários colaboradores e a falta de preparação de muitas organizações ou espaços públicos que recebem as acções. Diante deste cenário, é fundamental investir em pesquisa e melhoria das práticas de implementação e gestão de programas de voluntariado empresarial. Acreditar que a nobre missão dará conta de tudo é ilusão, amadorismo e irresponsabilidade. Como em qualquer área da vida, a competência ética, entusiasmada e persistente amplia sensivelmente as chances de conquista. Não é diferente nesta seara.
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